Somos história. Do dia que nascemos ao dia que morremos, a única coisa que nos une é o fato de que construímos história. Algumas conectam mais pessoas – por vezes, milhões. Outras, apenas um pequeno grupo contado em uma mão espalmada. Algo que fortalece a construção histórica é o cenário em que ela acontece. Um olhar e a memória ativa a reconexão com o fato ali protagonizado. Aqui em Natal, curiosamente, os olhos estão permanentemente fechados para a história. A luz incandescente do Sol, a areia branca do litoral e o calor das águas do Atlântico parecem eclipsar as tentativas de valorização de algo diferente do natural.
Parece que o natalense vive em seu próprio mito da caverna ao virar as costas para história que ninguém faz esforço em contar, mesmo que ela esteja ao alcance do olhar pela janela do ônibus, do carro ou do simples gesto de olhar para o lado. A Fortaleza dos Reis Magos, um monumento que resistiu à força das batalhas, claudica sua caminhada por atenção e um acesso digno. A partir dela, abre-se a possibilidade de contar a cidade e seu nascimento. Pelas ruas, ladeiras e vielas de Santos Reis, Rocas, Ribeira e Centro, a Colônia poderia ganhar vida aos olhos contemporâneos. Tempos mais modernos – e bélicos – também. A Segunda Guerra Mundial e a conexão com o Trampolim da Vitória que veio em outro continente também tem seu valor.
Os artistas, a arquitetura, a gastronomia, a música e a literatura gritam e encontram o vazio de iniciativas fugazes, como dunas que mudam de lugar ao sabor do vento. Mesmo o perene Potengi que banha a cidade não é capaz de refletir nada além da ignorância de quem desconhece o passado e a luta de quem veio antes para que vivêssemos hoje. Constrange imaginar que Getúlio Vargas e Franklin D. Roosevelt puderam se encontrar em Natal, mas o próprio natalense não consegue se achar em sua própria história. Talvez falte autoestima para enaltecer a si justamente por não reconhecer o valor daquilo que somos e do que nos constitui.
Todos os dias, saímos de casa para viver a história. Em algum momento do seu dia, em Natal, a “Cidade do Sol”, você cruzou com uma peça relevante de um quebra-cabeça cuja montagem foi iniciada séculos atrás e nem se deu conta. O silêncio impera pela mordaça da mediocridade atada fortemente pelo descaso com o passado. Mas o presente é uma dádiva e, talvez por isso, tenha esse nome. Ao contrário do passado, imutável, o momento em que se vive permite mudar o rumo das coisas. A incerteza do futuro é o que nos dá esperança de que, um dia, seremos mais do que Sol e mar, seremos natalenses orgulhosos de contar do que somos feitos, de contar nossa história.
Bruno Araújo na Coluna AGORA RN
