Na mesma repartição, dois mundos coexistiam: o dos concursados e o dos comissionados. Ambos ocupavam cadeiras semelhantes, assinavam documentos parecidos e tomavam café no mesmo refeitório, mas entre eles havia um abismo invisível.

O concursado, como João, era fruto de anos de estudo, noites insones e simulados intermináveis. Trazia consigo o orgulho da estabilidade e o peso da burocracia. Sabia que ali ficaria até a aposentadoria – e isso era, ao mesmo tempo, bênção e maldição.

O comissionado, como Carlos, chegava com ares de urgência. Não passara por provas de múltipla escolha nem decorara leis, mas aprendera a navegar pelos ventos políticos. Trazia novas ideias, projetos mirabolantes e uma habilidade nata para reuniões estratégicas. Sabia que sua cadeira era temporária, tão firme quanto a boa vontade da chefia.

João olhava para Carlos com certa desconfiança:

— Ele nem precisou de concurso e já chegou como chefe.

Carlos olhava para João com uma pontinha de inveja:

— Ele tem estabilidade, pode discordar sem medo de ser exonerado.

O tempo passava. O governo mudava. Carlos ia e vinha, de acordo com os ventos eleitorais. João permanecia. Um dia, os papéis poderiam se inverter – ou não.

Por incrível que pareça o concursado era o mais simpático, simples e disposto a ajudar. O comissionado talvez despreparado ou deslumbrado com a oportunidade, era fechado e autoritário.

Mas, no fim das contas, dividiam o mesmo elevador, reclamavam do mesmo sistema lento e tomavam o mesmo café frio.

Porque, dentro da repartição, todos estavam sujeitos ao mesmo relógio.

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